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terça-feira, 12 de setembro de 2017

O que os olhos não veem!


O que os olhos não veem!

O clima ameno de uma sexta-feira é o que todos gostariam de ter, vibrando por um fim de semana fora dos padrões que a rotina exige. Porém, a mesma caminhada o esperava, assim como os mesmos lugares, as mesmas pessoas. Para tudo isso ele estava pronto, sempre com o mesmo "eu".
— Bom dia, Hugo — Exclamou felizmente sua colega ao vê-lo entrar pelo portão prateado da escola, recém pintado. —Tudo bem?
— Bom dia! — Respondeu ele com os olhos brilhantes de sempre. — Claro! E você?
Perguntas iguais de remetentes diferentes são feitas todos os dias, automaticamente como uma programação de redes sociais, nem sempre pelas mesmas pessoas, mas uma coisa é certa: querem sempre as respostas que as satisfazem. Será que as pessoas nunca percebem que, na maior parte do tempo, dizer que tudo está bem é mais fácil que responder a uma sequência de outras perguntas que não querem ser respondidas?
Hugo era o amigo ideal, o filho exemplar, o aluno que supera as expectativas, o cristão que parecia não ter defeitos... menos o que ele mesmo gostaria de ser, porque nem ele mesmo sabia o caminho para isso.
Naquela manhã, em especial, o professor de matemática parecia demonstrar algo indecifrável. Seus pensamentos esvoaçavam em um milhão de coisas, sem foco, sem direção.
O que está havendo? Por que isso, agora? Será que felicidade é só viver em um mundo de aparências? — As perguntas não davam tempo às respostas. O peito apertou e a respiração tornou-se anormal de forma repentina, como se tivéssemos um susto de algo que estamos para descobrir subitamente. Ele chegou a sentir a umidade que chegava em suas pálpebras e a enxergar através delas. Isso não podia acontecer! Não sem um motivo, sem um porquê. Não há lógica nisso, mas quem precisa de lógica para sentir?
Ele levantou-se de sua carteira para caminhar em direção à porta da sala de aula, deixando o celular cair ao chão. Não olhou para trás, e agora, já no imenso corredor, correu como se a última coisa que quisesse fosse saltar o portão que o impedia de ser livre. Não precisou. Ele estava aberto. Correu e continuou correndo, vendo de relance as sombras das pessoas que o olhavam e das árvores nas calçadas que nunca o acompanhariam. O gosto salubre da lágrima parecia algo que nunca havia sentido e não era para ser perceptível agora.
A buzina estridente de uma caminhonete o fez acordar do transe e virar-se quando percebeu que já estava no meio da rua, dois ou três carros parados repentinamente para evitar o acidente. Ele limpou o rosto e caminhou devagar. Só um lugar veio a sua mente: o observatório da cidade, a poucos metros dali.
Em poucos minutos, a uma altura grande o suficiente para sentir o vento gélido, mesmo diante do brilhar do sol, ele segurava as grades de proteção e fitava ora o horizonte, ora as pessoas na correria de sempre, como pontos pequenos lá embaixo.
O que é mais fácil: viver aqui tendo sensações que nem você entende ou entrar em um sono profundo onde tudo será paz? — Perguntava-se quando se deu conta o quanto seria fácil voar dali sentindo o ar de liberdade até o encontro da verdadeira paz. Fechou os olhos. O coração bateu forte, sentindo-o no tremer dos seus lábios. Simples, rápido, fácil. O silêncio.
— Rapaz — Uma voz rompeu a calmaria. — Você pode tirar uma foto nossa? Estamos em lua de mel e gostaríamos de ter esta paisagem em nossas recordações.
Agora, sentado na varanda de sua casa, lutava para não pensar no hoje, enquanto olhava o crepúsculo através de uma árvore há muito vivida e que, apenas agora, chamou como nunca sua atenção para uma nova perspectiva. Pensava consigo mesmo quantas vezes a observou como um ser solitário que vive para ver o brilho de algo maior. Hoje, como um ser ainda solitário, mas que por algo maior viveu e vive deixando os rastros de sua existência.
— Oi, meu amor. Está tudo bem? — Perguntou sua mãe que chegava do trabalho e deslizou sua mão sobre os cabelos de seu único filho.
— Claro! E a senhora?


Por Herbert Monteiro

Foto: Jennyffer Lopes (Amiga Incrível)

domingo, 13 de novembro de 2016

Ir ou não ir...



Seu sorriso é o que ele mais lembra em todos os momentos que precisa pensar em algo bom. Naquela manhã de sábado, em especial, ao chegar mais uma vez, esse mesmo sorriso inundou seu coração dando-o coragem para fazer o que há muito tempo desejara.
Tobias ainda lembra a primeira vez que entrou na livraria e, Camile, com seus lábios resplandecentes, o ajudou a acomodar-se e o disponibilizou os melhores livros de turismo que possuía. Desde então, ela continuava a fazê-lo, todos os dias, há um mês.
Desta vez ele não se demorou muito e, também, não esperou ela ajuda-lo a se retirar como de costume. Tobias já acenava da porta quando ela se deu conta que seu lugar na mesa estava vazio. Ao guardar os livros, com a xícara de chá pousando ainda quente sobre o pires, um envelope com seu nome mostrou-se de relance. Ela olhou mais uma vez para porta esperando que Tobias ainda estivesse lá, mas ela sabia que não estaria. Aproveitando o vazio da livraria ela sentou-se e abriu lentamente o envelope. Retirou um papel com uma textura delicada, em cor pálida, e as palavras escritas a punho não poderiam deixa-la mais pensativa:

“Sinto que não consigo mais me concentrar nos livros quando o que mais quero é conversar com alguém o que está em meus pensamentos e em meu coração. Caso possa me conceder esta oportunidade espero você hoje à noite, às 18h00, neste endereço (...) se identifique a um senhor chamado Otávio.”

Em um misto de dúvidas, pensamentos e sensações o dia demorou um século a passar e sua atenção dispersa não ajudou em seu trabalho. Logo, quando fechou a livraria gostaria de ter caminhado mais rápido, porém, seus passos até o ponto de ônibus foram mais lentos que o normal.
Dezoito horas. Ao descer a rua e caminhar até chegar a sua casa, a decisão do que deveria fazer sequer estava dando sinais de preencher o vazio deixado por suas perguntas: quem era ele de fato? O que poderia querer? Por que ela e não outra pessoa? Ir ou não ir? Ir ou não ir? Ir ou não ir?
Quando a água quente de seu banho parecia aliviar suas tensões ela percebeu que sua vontade de ir era mais forte que o medo de não desvendar o mistério de seu futuro, traçado a partir dàquele envelope deixado a sua espera.
Dezenove horas e trinta minutos. Ela estava pronta e ao tocar a maçaneta da porta, paralisou. O medo, a dúvida e a insegurança eram correntes que agora se fizeram presentes de uma forma nunca vista antes. Quando deu por si estava no sofá, deitada olhando o teto e os reflexos que os faróis dos carros deixavam quando passavam na rua.
Abrir a livraria nunca foi tão difícil. Olhar nos olhos dele então, era impensável. O que acabou por não ocorrer. De certa forma; ela o esperou o dia todo, mas nada. Ele não apareceu.
Seus passos foram rápidos até encarar o endereço no papel: uma sorveteria. Respirou fundo e entrou:
− Sr. Otávio, por favor. – Disse ela timidamente a um rapaz no balcão. Ele apontou para uma mesa no canto, aonde havia um senhor olhando a rua através da vidraça.
Ela encaminhou-se até ele. – Com licença. O senhor pode me dizer onde posso encontrar um jovem chamado Tobias?
O senhor a olhou com um olhar profundo e retirou um pequeno papel do bolso.
− Camile, eu suponho. – Disse ele sem expressão. – Ele pediu para lhe entregar este papel.
Em um guardanapo, talvez pego como única alternativa de um momento não esperado, ela leu a única coisa que ficou deste dia pra sempre com ela.
“Há um tempo para tudo neste mundo. O fato é que agora nunca saberemos o que o futuro reserva caso o seu agir fosse no momento oportuno. Nem antes, nem depois. Caso viver com o SE seja o seu destino, esta será a base de sua vida.”


Por Herbert Monteiro